domingo, 27 de julho de 2008

Catalepsia


Escambo,

espelho,

câmbio,

moeda.

Aportou e trouxe na caravela sonhos,

que não eram meus.

Demarcou território,

explorando a boa fé nativa

propagou uma fé diversa,

silenciando o canto,

silenciando o canto.

Alastrou-se feito peste negra,

raiva,

tétano,

catalepsia,

imobilizando,cautelosamente, qualquer possibilidade de fuga,

e fez bom uso de tudo que estava ao alcance das mãos,

a credulidade,

a inocência,

qualquer gesto puro!

Num capricho qualquer de supra-humana vontade,

egoísmo,

desejo!

Contaminou a tribo, num mal qualquer de morte,

pensamentos maus, julgamentos fortes,

e depois, recolheu a nau e partiu,

simplesmente,

no mesmo silêncio com que aportara.

Escambo,

espelho,

câmbio,

moeda?

procuro, em vão, algo que justifique,

o valor real da estupidez humana!



WDR


" Inca, maia, pigmeu, minha tribo me perdeu"...(Chico César).

terça-feira, 22 de julho de 2008

Arca Encantada

"Quem me dera encontrar o verso puro, O verso altivo e forte, estranho e duro, Que dissesse a chorar isto que sinto!".

Refletiu-se em mim,
tenho certeza!
pela transparência das coisas que
em mim se anunciam,
e que só eu antevejo,
até depois, não muito depois,
quando já se tornou público e notório
no meu andar cabisbaixo!
Refletidamente,
no meu silêncio ressentido,
e nas mil e uma teorias
que provavelmente me deixarão atônita,
mil e uma noites,
e mais mil e uma noites!
Refletiu-se em mim como arca encantada
butija enterrada, repleta de ouro,
reluzente!
Tão claramente como coisa que não existe,
a não ser em conto de fadas!
Mas, se pôde ser visto, assim, em mim,
foi por que eu mesma desejei que assim
o fosse!

Não me cabem, pois, lamentações,
vociferações,
pragas,
sortilégios,
prévios julgamentos, nem a posteriori!
constatações ou maledicências!
Que me reste, apenas, uma lição disso tudo:
a de que nem sempre os clarins soam
anunciando uma nova aurora,
mas, todo coração que se preze
deve saber de cor o toque de retirada!

Waleska Dacal Reis


(...)"E ser, depois de vir do coração, o pó, o nada, o sonho dum momento!…São assim ocos, rudes, os meus versos..." (Florbela D'Alma da Conceição Espanca).

sábado, 19 de julho de 2008

FREQUÊNCIA

Eu não sei mais o que sinto,
nem sei por que choro olhando essas fotografias,
também não entendo essa falta de emoção que me invade,
quando você me liga, assim, de repente,
e diz que a minha voz está triste.
Não sei por onde anda o meu sorriso,
nem meus pensamentos,
não sei por onde anda meu desejo,
nem minha temperança,
só sei que o seu sorriso não tem preço,
que a sua voz ainda mora nos meus ouvidos,
e fica ecoando, insistindo,
mesmo no seu mais demorado silêncio.
Você diz que pensa muito em mim,
assim, tão naturalmente, como quem respira,
ou reconhece que sem água morreria de sede,
e meus olhos se fecham.
Contorno seu corpo com a lembrança,
ensaio um sorriso,
outro,
esboço qualquer ínfima alegria,
mas, o cansaço me vence.
Esqueça, por favor, a minha tristeza,
tenho dormido tão pouco ultimamente,
quem sabe se eu ajustar a minha frequência,
eu possa, revigorada, te encontrar, novamente,
nos meus sonhos.


Waleska Dacal


(...)"Se falo em mim e não em ti, é que nesse momento já me despedi, meu coração ateu não chora e não lembra, parte e vai-se embora!"
(Chico Buarque)

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Avesso


Segundo os dados extra-oficiais da sua cabeça,
sou chata,
muito transparente,
sincera,
envolvente,
e me cabem, também, outros adjetivos que,
não sou tão incoerente a ponto de citar nessa lista.
Você reclama do meu silêncio,
você reclama das coisas que eu falo,
acha que eu sou muito sincera,
e reconhece que mentir não é meu ponto forte!
Mas, você se pergunta se ainda é meu ponto fraco,
vunerável,
mesmo de improviso...
Ah, quer saber?
Sei lá!
Ando tão pelo avesso ultimamente que,
algumas vezes, me olhando no espelho,
não me reconheço!
Sobram pedaço de mim e de ti,
espalhados pela sala,
pelo quarto,
na cozinha,
e nas paredes da minha lembrança,
mas, ficou alguma coisa tão confusa,
um misturar de vozes,
sotaques,
idiomas,
sonhos,
uma quilometragem e tanto
nos separando,
nos compelindo a reinventar vozes,
e vez por outra,
verdadeiros manifestos,
de ordem subjetiva, ou de contra-ordem,
puramente, circunstancial.
Sei que você entende até o que eu não digo,
por mais que, na maioria das vezes,
não se manisfeste e insista, assim,
em reinventar fugas
e outras saídas,
o que reforça essa certeza que eu tenho de que,
o que de fato nos separa,
é esse seu medo de enfrentar a vida!


(...)



"Amo tua voz, e tua cor"...




WDR.

domingo, 13 de julho de 2008

Mercúrio cromo

Deve passar bem rápido, se você deixar que assim o seja,

mas, para que isso aconteça, não será mais permitido que você conte as horas,

a ausência agora deverá ser contada não pelos dias, nem pelos silêncios,

mas pelas vontades todas, de partida e de chegada.

Nesse intermédio, é importante que sare qualquer arranhão novo ou antigo,

e em seguida se rasguem todas as fotografias que, porventura, ainda resistam amarelecidas pelo tempo, não dos momentos felizes, não isso não, mas das cicratizes que sobreviveram a esses machucados todos, e que se jogue fora o mercúrio cromo

e todas as outras coisas que não mais existem, e que fingem não doer, mas doem!

Em contrapartida, é necessário também não caminhar contra o vento, pra quê medir forças com quem está vencendo?

Mais sábio mesmo é esperar pelo tempo que inevitavelmente chegará a trem ou a cavalo, implacável.

Como não podia deixar de ser também,

é importante aprender novas canções, ler outros escritores, se abrir pra qualquer possibilidade de encontro com o novo, que assim como o tempo, nunca deixa de chegar!

É isso mesmo, nada de velhas canções tatuadas na lembrança, nada de cheiros e sabores que já se conhecem de cor, agora é desocupar as gavetas da memória e apostar no futuro, que, por hora, até pode parecer inacessível.

Uma última coisa, é preciso antes de tudo que você acredite nisso tudo, como palavras repetidas ao espelho e que ecoam no mais intimo de você, como num livro qualquer de auto-ajuda, grifado página por página, nas coincidências, evidências e sincronicidades que sempre é possível encontrar com a dor de um outro alguém,

agora, vê se preciso repetir isso tudo?

você anda tão calado ultimamente,

(...)

velho,

cansado,

e descrente!

Estamos entendidos?

Quer saber, coração burro?

Desculpe, mas cansei de ouvir você!



WDR

sexta-feira, 11 de julho de 2008

TRILHAS



Um passo após outro,
sol forte,
ou chuva fina,
ora calor,
ora frieza,
uma ribanceira abaixo,
outra acima,
e no meio da sede um copo d'água,
na eminência qualquer de algum sorriso!
silêncio, não por falta de palavras,
por que é preciso!
E na contemplação distante dessa natureza,
ainda não tocada e tão restritiva,
vou ensaiando trilhas,
longas caminhadas,
algumas subidas,
algumas descidas,
sem nenhum guia,
nenhuma certeza,
um súbito encantamento,
uma esperança,
de que lá no fim tenha alguma cachoeira,
deve ter, por que já tem um tempo
que eu ouço um barulho de água correndo aqui dentro!

Waleska Dacal