segunda-feira, 7 de abril de 2008

Estante



Seria fácil assim, como folhear um livro,
tomando nota de tudo que fosse mais importante,
algumas anotações básicas, pequenas citações,
ou qualquer detalhe que, por algum motivo,
pudesse ser relevante, dando indícios de como ela
estava...
Tão fácil, tão acessível, quanto acenar para o avião, por trás da vidraça,
dando leveza a consciência, num gesto de adeus, ou até breve,
desejo de colocar, de uma só vez, todas as pedras em cima do assunto.
E voltar ao velho livro companheiro de divagações e angústias, já tão
demarcado com as suas próprias digitais.
Seria fácil assim, como grifar as partes importantes de uma crítica literária
feita por pessoas confiáveis acerca daquele assunto tão novo,
mas que, apesar de toda curiosidade, não se atreveu a aprofundar se contentando com análises breves, terapias breves, noites insones, silêncios barulhentos, arrastar de correntes, sussurros, vozes.
Seria fácil até o limite do esquecimento, avançando pelo território perigoso da razão, escorregadio e niilista, assombrado pelo mais incontrolável desejo.
E de tão fácil, chegaria a escrever novas letras, com o nome dela, sobre o nome dela, sobre a pele dela, sobre a alma dela e, sobretudo, sobre ela mesma, misturadas que estavam e nem sabiam como.
Seria fácil assim, como traduzir velhos manuscritos de uma língua qualquer, morta e ainda não estudada, com toda a força motriz que gera o desconhecido, e perder, nesse entremeio, toda a certeza a despeito do que foi dito, proferido e, em comum acordo, silenciado. Até não escutar mais vozes, até já não ter mais referências, até voltar ao livro antigo, numa versão, quem sabe, já reeditada com revisão de algum escritor famoso, e esquecer as reticências, o porvir, as incertezas, os desejos, os medos todos, dissabores...fácil assim, como fechar um livro desejado e nunca lido, e devolvê-lo a estante.

Waleska Dacal Reis

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